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Caio Magri

O que as empresas podem fazer para mitigar os efeitos do coronavírus?

ECOA

21/03/2020 11h45

A crise com a pandemia do novo coronavírus nos coloca diante significativas mudanças em nossos modos de ser e agir. Muito além dos aprendizados em higienização pessoal e dos ambientes, a doença Covid-19 nos diz que a ação coletiva pode salvar vidas. Pensar além das bolhas, que tanto pautaram atitudes nos últimos tempos, é imprescindível para conter a escalada da transmissão.

Mas com o que mais somos confrontados? Se é necessário pensar e agir em prol do outro, do coletivo, quais ações podemos adotar para mitigar riscos?

Ressaltamos que independentemente das medidas sugeridas pelo governo temos que garantir a premissa do que entendemos como desenvolvimento sustentável, que se alicerça em garantirmos condições dignas para trabalhadoras e trabalhadores, a fim de não ampliar as desigualdades já tão intrínsecas em nosso país.

A redução da jornada de trabalho e consequente diminuição salarial deve ser observada não apenas do ponto de vista do empregador, há questões econômicas e sociais que precisam ser consideradas. Assim como a situação de quem trabalha informalmente, sem vínculo empregatício.

As empresas, que detêm poder e são agentes de mudança de paradigmas, têm um papel social que vai além da preservação de seus colaboradores e da manutenção de suas atividades e de sua própria lucratividade.

Postergar os pagamentos de empréstimos, adiantar pagamentos à vista a pequenos e médio fornecedores e apoiar a linha direta de enfrentamento à doença, como se dedicar a produção de álcool gel, são atitudes muito bem-vindas.

Mas é preciso mais. É importante reconhecer o impacto ainda incalculável para a economia brasileira, para a balança comercial e para a dinâmica de diferentes setores da indústria, sem nos apartarmos de uma reflexão sobre a distribuição desigual dos riscos, afetando mais fortemente os desempregados — inclusive os mais jovens — e, como já antecipamos, os trabalhadores informais e sem coberturas trabalhistas, população negra e mulheres. As desigualdades fazem com que pessoas mais pobres se tornem as mais afetadas.

Não somos vítimas passivas desses processos e ainda podemos fazer muito para reduzir os riscos da pandemia pela perspectiva ecológica ou seus efeitos pelo âmbito preconizado, pelos direitos humanos, pela redução das desigualdades e manutenção de mecanismos e instituições republicanas e democráticas. Mais do que nunca, as premissas de um desenvolvimento sustentável se mostram tão urgentes.

Apoiar essas iniciativas significa ir além do esperado, estabelece novos parâmetros de atuação e reforça o protagonismo das empresas em atuar para que possamos, o quanto antes, recuperar aquilo que conhecemos como normalidade. Mas, indubitavelmente, reforçados pelos aprendizados que estamos adquirindo ao longo dessa jornada.

Estamos diante de algo novo, não totalmente inesperado, mas ainda assim novo. E com o qual estamos descobrindo como lidar conforme lidamos. Muito se tem esperado quanto a posturas que as empresas devem adotar, seja para proteção do quadro de funcionários, mas sobretudo para evitar a propagação desenfreada da Covid-19. Além de proteger a si mesmo, é preciso ajudar a sociedade como um todo, principalmente as pessoas mais vulneráveis e expostas, mudar atitudes que poderão influenciar futuramente os modos de ser e agir na sociedade.

Desde as grandes tomadas de decisão, como fechar temporariamente estabelecimentos, sem a dispensa de funcionários, até o afastamento dos prestadores de serviço doméstico mantendo a remuneração, todas as atitudes devem ser revistas a fim de adotar medidas de prevenção para frear ao máximo a transmissão.

É bem verdade que não estávamos prontos para isso, já que, mesmo observando o que já era uma realidade em outros países, muitos de nós não encararam com seriedade essa situação. Ou seja, um dos aprendizados desse momento é justamente enxergar nas entrelinhas e entender o quanto as empresas precisam ter planos de enfrentamento a crises.

"Todo mundo que tem um salário, que tem uma poupança, que tem um trabalho que pode ser feito remotamente, que vive em uma casa que comporta confortavelmente seus moradores, que tem um carro para não precisar usar transporte público – essas pessoas são privilegiadas neste cenário. Não por acaso, provavelmente são os mais privilegiados na sociedade também", escreveu Andrew Fishman no Intercept.

Sim, há diferenças entre quem enfrenta essa crise enquanto empregado formal (CLT) e quem se arrisca no comércio das ruas em contato próximo com várias pessoas porque se não vender, literalmente não terá o que comer. Trabalhadores informais não possuem vínculos trabalhistas e têm renda que depende diretamente do número de vendas e prestações de serviço. Caso fiquem doentes, impossibilitados de trabalhar por um período, a renda, que já é menor que a de trabalhadores formais, sentirá o impacto.

Daí o papel importantíssimo dos governos em implementar ações que busquem apoiar essa camada. Empresas que contam com esse tipo de contratação de mão de obra, como os motoristas e entregadores de aplicativos, já têm adotado medidas para mitigar a contaminação, oferecendo 14 dias de assistência financeira para que os motoristas mantenham uma renda durante o período que estão impossibilitados, pois o período equivale ao tempo de incubação do novo coronavírus, que começa a apresentar sintomas entre 2 e 14 dias após a contaminação.

Quanto aos indígenas, é imprescindível evitar ao máximo que sejam afetadas. Até o momento não há casos suspeitos de coronavírus na população indígena. Mas não podemos desconsiderar em nossas reflexões o panorama para os povos originários, sobretudo os isolados, dada a precarização da SESAI, a explosão desproporcional do desmatamento, destruição das florestas, o avanço do homem branco, de práticas ilícitas e até práticas religiosas que ameaçam o modo de vida e podem colocar em risco a política de não contato que evita epidemias e massacres.

Como medida de prevenção, a Apib já anunciou o adiamento do 16º Acampamento Terra Livre que reuniria milhares de indígenas em Brasília em abril. A Covid-19 é uma doença não indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas não estão estruturados para atender casos afetados pelo coronavírus. Por isso, a importância da cobrança de soluções, proteção ao modo de vida e aos territórios indígenas, da segurança a esses territórios e atendimento da Sesai em tempo hábil. Também é importante reconhecer a participação dos próprios indígenas para as alternativas de enfrentamento.

Como as empresas podem agir?
De uma forma geral, todas empresas estão – ou deveriam estar – revendo a forma de atuação neste momento. A recomendação é que as pessoas fiquem em casa, reduzindo o contato social. Nesse sentido, liberar o acesso a canais de TV por assinatura e até mesmo a postergação de prestações de empréstimos são atitudes bem-vindas.

As empresas devem traçar cenários possíveis e delinear atitudes a serem adotadas, sempre pensando nas pessoas e na manutenção da operação da organização. Devem receber atenção especial eventos planejados para os próximos meses e viagens de trabalho, programando alternativas que possam ser acionados, considerando as mudanças de cenário da doença no cenário local, nacional ou internacional.

Planos de contingência para preservar a saúde de seus colaboradores e frear o ritmo de transmissão do novo coronavírus têm sido adotados, primeiramente por parte de grandes empresas multinacionais, grupos globais, que contemplam, entre outras:

Ações de comunicação preventivas, como divulgar comunicados de prevenção ou de principais dúvidas;

Incentivo a hábitos de higiene, pela disponibilização de álcool gel para uso dos colaboradores e o constante reforço à limpeza;

– Recomendação para que colaboradores que estejam gripados ou resfriados permaneçam em casa;

– Criação de comitês de crise, para a revisão de estratégias e planos no novo cenário;

Quarentena para profissionais que fizeram viagens ao exterior ou até mesmo pelo país;

Revisão de planos por meio do cancelamento/ adiamento de viagens internacionais ou nacionais e o cancelamento/ adiamento de eventos coletivos;

Mudança no sistema de trabalho, dando dando preferência ao teletrabalho (home office) e a reuniões com terceiros à distância;

Flexibilização da jornada para que mães, pais e pessoas com responsabilidade de cuidado organizem seu trabalho na suspensão de atividades escolares;

– Antecipação de férias ou dispensa de trabalho para profissionais que estão no grupo de risco (idosos ou pessoas com comorbidades), cuja ocupação não permita teletrabalho;

– Recomendações de segurança cibernética para evitar ataques em locais externos à corporação;

– Adaptação de linhas para criar produtos de higienização de ambiente e de uso pessoal, como álcool gel, sabonetes e desinfetantes.

Esses planos corporativos são ainda mais importantes nas áreas com transmissão comunitária, onde se recomenda a redução de deslocamentos para o trabalho e o contato desnecessário entre as pessoas. Baseiam-se em um aprendizado recente de como as autoridades de saúde têm lidado e em práticas mais exitosas adotadas em outros países, que ressaltam a oportunidade dos empregadores em desempenhar um papel-chave nesse esforço de frear o contágio e de dar prioridade à saúde e bem-estar de seus colaboradores.

Sobre o Autor

Graduado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), foi gerente de políticas públicas da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, além de coordenador do Programa de Políticas Públicas para a Juventude da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto (SP). Em 2003, integrou a assessoria especial do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sob a coordenação de Oded Grajew. Atua no Instituto Ethos desde 2004, quando começou como assessor de Políticas Públicas. Em 2005, tornou-se gerente executivo de Políticas Públicas; em 2014, diretor executivo; e, em 2017, foi nomeado diretor-presidente do Instituto Ethos. Participa como membro dos conselhos do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Transparência Pública e Combate à Corrupção-CGU, do Pró-Ética, do Comitê Brasileiro do Pacto Global (CPBG) e da Rede Nossa São Paulo.

Sobre o Blog

Com foco em responsabilidade social corporativa, aborda tanto as questões críticas quanto as boas práticas nas agendas das desigualdades, dos direitos humanos, de integridade e ética, e do meio ambiente, a fim de compartilhar a contribuição de diferentes atores sociais - empresas, academia, organizações e poder público – em busca de uma sociedade sustentável e justa.