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Caio Magri

Prisões autoritárias em Alter do Chão (PA) incendeiam nossa democracia

ECOA

28/11/2019 16h03

Ilegalidades, abuso de poder e tentativas de criminalização de organizações que atuam para proteger os recursos naturais: o que está acontecendo em Alter do Chão (PA) é muito grave, mas é só a ponta do iceberg de algo que tem sido anunciado pelos integrantes do primeiro escalão do governo federal.

O que está em andamento são farsas, fake news e manipulações de dados e informações para criminalizar organizações sérias, que têm amplo histórico de engajamento em favor da preservação da região. Ao contrário das acusações, essas organizações trabalham justamente contra grileiros, invasores que tomam áreas para construir condomínios, grupos que defendem mudanças no  plano diretor de Santarém para promover a verticalização de áreas de preservação às margens do rio Tapajós.

A ONG Saúde e Alegria tem atuado no campo da saúde e da cultura, mas também na defesa da legalidade para garantir que a floresta continue em pé. Afinal, a floresta é também um ativo econômico de altíssimo valor para o desenvolvimento das comunidades. 

E esse modelo predador e extrativista, que tem se anunciado nos últimos meses, é uma grande ameaça, é a intenção de promover o colapso do modelo oposto, do modelo sustentável em que empresas, organizações da sociedade civil, comunidades tradicionais, povos indígenas e poder público atuam juntos para proteger a floresta. É isso o que está em jogo. 

Nesse sentido, é importantíssima a declaração feita recentemente pelo Ministério Público Federal requisitando todas as provas. Afinal, tudo até agora indicava que os incêndios ocorridos na região foram resultado da ação de grileiros e garimpeiros ilegais, não de organizações da sociedade. Para mim, esta é a declaração mais contundente contra a ação da Polícia Civil do Pará.

Mas o problema é ainda maior e não é pontual. O clima no Pará está tenso há algum tempo. São ameaças, tentativas de assassinato, violências no campo. A ação da Polícia Civil agora só incendeia ainda mais a situação. Vai na direção oposta à esperada de uma instituição como essa, que seria a de contribuir para o consenso e a paz.

Os jovens detidos estavam lá porque fizeram uma opção pelo bem-estar próprio e também pelo comum. Preferiram levar uma vida simples, longe de suas origens, em nome de um trabalho pela sociedade. Ninguém sabe quais são as reais acusações contra eles, mas, ainda assim, eles estão mantidos presos ilegalmente. 

Afinal, não têm antecedentes criminais, têm endereço e vínculo empregatício. Não há nada que indique, portanto, que eles representem algum risco para as investigações. Tudo, aliás, vai no sentido contrário a este. Já houve esclarecimento sobre as acusações de que as organizações teriam recebido investimento externo. 

Como sociedade civil, precisamos nos posicionar. Precisamos cobrar transparência, a ação do judiciário e a punição urgente dos reais culpados. Quem são eles? Onde estão? Por que não estão sendo julgados?

Aqui em Belém (PA), onde acontece agora a Conferência Ethos, estamos abrindo o debate e espaço para manifestações. Empresas sérias, como a Natura, têm se manifestado em apoio à Saúde e Alegria. Precisamos pressionar o Ministério Público e a Polícia Federal para que ajam, e convocar as empresas parceiras das organizações da sociedade civil para que não fiquem caladas!

Estamos à beira da COP e tudo isso será levado para lá. Discutiremos internacionalmente sobre as ameaças que estão sendo feitas contra os direitos humanos, os direitos fundamentais e os direitos ambientais. Intelectuais e pessoas públicas em geral precisam se posicionar de maneira clara!

É dramático, mas o Brasil está em um caminho muito crítico para a nossa democracia. À medida em que o que estamos vivendo é discutido em âmbito internacional — e é o que vai acontecer na COP de Madrid — aumenta a desconfiança contra o Brasil. E isso afeta diretamente os investimentos no país. 

Ao contrário do que defende o ministro Paulo Guedes, medidas autoritárias como o AI-5 só afastam investimentos. Quem quer investir em um país inseguro? Quem quer investir em um país que trata com medidas de exceção algo que faz parte de qualquer democracia, como manifestações de rua? Isso só gera insegurança e desconfiança. 

Um ambiente instável, com clima tenso e radicalizado, é péssimo para os negócios. O que atrai investimentos é uma democracia sólida e permanente, onde há garantia da defesa dos direitos. 

Estamos terminando um 2019 tenso, crítico e com grandes lições que precisam ser apreendidas com urgência. Não existe país próspero em um ambiente de exceção. É preciso agir. E rápido.

Sobre o Autor

Graduado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), foi gerente de políticas públicas da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, além de coordenador do Programa de Políticas Públicas para a Juventude da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto (SP). Em 2003, integrou a assessoria especial do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sob a coordenação de Oded Grajew. Atua no Instituto Ethos desde 2004, quando começou como assessor de Políticas Públicas. Em 2005, tornou-se gerente executivo de Políticas Públicas; em 2014, diretor executivo; e, em 2017, foi nomeado diretor-presidente do Instituto Ethos. Participa como membro dos conselhos do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Transparência Pública e Combate à Corrupção-CGU, do Pró-Ética, do Comitê Brasileiro do Pacto Global (CPBG) e da Rede Nossa São Paulo.

Sobre o Blog

Com foco em responsabilidade social corporativa, aborda tanto as questões críticas quanto as boas práticas nas agendas das desigualdades, dos direitos humanos, de integridade e ética, e do meio ambiente, a fim de compartilhar a contribuição de diferentes atores sociais - empresas, academia, organizações e poder público – em busca de uma sociedade sustentável e justa.